sexta-feira, 17 de junho de 2011

A LUTA DA JUVENTUDE E A EXPERIÊNCIA EM NATAL




Jovens da cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte, estão se rebelando. Iniciaram um movimento para pedir a destituição da Prefeita da Cidade, Micarla, e recebem o apoio de amplos setores da sociedade local. Esse apoio fica claro quando o STJ, esta instituição conservadora e elitista, é obrigado a revogar a liminar que determinava que os jovens desocupassem a Câmara Municipal.

A grande maioria das manifestações juvenis que questiona o poder, geralmente se dá em caráter nacional e internacional.  Recordamos de manifestações de protestos juvenis contra proibições e ausência de liberdade como uma questão social e histórica. Isto se dá por que a juventude não é classe, não é uma corporação e não tem limites regionais. A juventude tem anseios semelhantes em todo o mundo e em todo o tempo: LIBERDADE. Vemos no Brasil, neste momento, jovens participando das Marchas da Maconha, contra a homofobia, contra o preconceito racial, entre outras.  Chama a atenção que uma parcela da juventude se manifeste pedindo a destituição da prefeita de sua cidade.  Estes jovens estão contrariando todas as análises dos “especialistas” (e há tantos, principalmente na Globo) de que a juventude atual não se interessa por política.

Esta é a questão que este artigo deseja discutir. Não tenho a pretensão de uma resposta acabada, pois não sou “especialista” em juventude. Porém, quero ajudar a provocar um debate que está ausente, no meu entender, nas instituições políticas gerais e nas de representação da juventude.

A JUVENTUDE SEMPRE CLAMA POR LIBERDADE, EM QUALQUER MOMENTO HISTÓRICO




Não sou especialista, mas já fui um jovem militante, portanto farei  uma abordagem com reflexões que partem da minha experiência  juvenil.
Na década de 60 a juventude explodiu no mundo todo, nas nações onde a democracia inexistia - como no leste europeu e na América do Sul - e onde a democracia era o regime de plantão - como na França e Estados Unidos. Era claro naquele momento o desejo de ruptura da juventude com um sistema de vida que lhes oprimia independente do regime político. Nos Estados Unidos a luta contra a guerra e contra o envio de jovens ao Vietnã, na Tchecoslováquia contra um regime “comunista” totalitário que oprimia a livre manifestação, no Brasil contra a Ditadura Militar que, além de censurar as artes e a livre manifestação, prendia e matava militantes de oposição, em particular estudantes, na França contra os valores sociais que estavam envelhecidos e que eram impostos à juventude. Em todos eles a questão da Liberdade e da Democracia estava presente. Como era possível falar da democracia nos EUA, por exemplo, se os jovens eram obrigados a ir morrer numa guerra sem sentido algum para eles. O sentimento de liberdade era o elemento comum a todas as manifestações, quando  ficaram registradas  frases famosas nos muros de todas as partes  do mundo. “Paz e Amor”; “É Proibido Proibir”; “Abaixo o realismo socialista. Viva o surrealismo”; “O agressor não é aquele que se revolta, mas o que reprime”; “Sejam realistas, exijam o impossível”; “A barricada fecha a rua, mas abre a via”;  “A liberdade do outro estende a minha ao infinito”; “Os jovens fazem amor, os velhos gestos obscenos”;  “A novidade é revolucionária, a verdade também”.....

Hoje, no mundo todo os jovens saem às ruas. Na Grécia, no Egito, na Líbia, na Espanha, no Iêmem, em Natal. Novamente em países autoritários e em países democráticos. Novas reivindicações são levantadas, mas com o mesmo conteúdo de outros momentos históricos: a liberdade. “Democracia Real Já” se traduz na luta contra o desemprego, contra a corrupção, contra o preconceito e pela verdade. A liberdade ganha o contorno de democracia, de luta contra os velhos modelos de fazer política, de fazer  política por imagens virtuais que encobrem a realidade, de usar a democracia formal para sufocar a liberdade de viver,de usar a liberdade de comunicação para “especialistas” falarem dos sentimentos dos outros como se fossem a verdade e não dar voz aos atores do fato noticiado.



O jovem se pergunta: como posso ser livre se não tenho como viver dignamente e com o direito de construir minha identidade? A economia, o governo e a liberdade são todos questionados nestas atuais mobilizações. Por isso elas tem uma participação forte da juventude. Neste período de putrefação do neoliberalismo, a economia e a liberdade se relacionam mais fortemente que na década de 60. Os jovens estão se perguntado  se  os atuais sistemas de democracia e de economia permitem a eles serem livres. E estão respondendo que NÃO.

UM VELHO MODELO DE FAZER POLÍTICA

No mundo todo a disputa política se polarizou entre os velhos modelos repressores e os velhos modelos de democracia. Há uma tendência à bipartidarização entre um velho e um novo que resiste para não envelhecer....., mas está envelhecendo na  resistência. Um novo que propicia mudanças, mas que está sendo conservador no controle da política de transformação. Estamos assistindo a rápidas mudanças nos parâmetros das relações sociais, políticas e econômicas. Mal chegamos à sociedade da informação e estamos adentrando à sociedade do conhecimento crítico. Os velhos instrumentos de controle do conhecimento estão ineficazes. Com mais acesso aos instrumentos de comunicação, os jovens estão intuindo e analisando o extenso mundo a sua volta e tirando conclusões. Não é possível comparar um jovem de 20 anos atrás que tinha nos instrumentos tradicionais de mídia a principal fonte de informação e construção do conhecimento, com um jovem atual que tem computador e celular que lhe permite uma integração, através de meios virtuais, com o mundo todo.

A disputa política bipartidarizada no mundo todo está mantendo as velhas estruturas de poder que não dão conta dos movimentos juvenis. Esta disputa não consegue atrair a juventude. É desta política que a juventude está se afastando.  Pragmaticamente a juventude não é pragmática, e as instituições que querem representar a juventude precisam entender isso. 



A juventude no mundo todo luta contra o pragmatismo de governos de partidos de esquerda como o PSOE e de direita como o do Egito, ambos derrotados. A juventude quer outra opção de liberdade. Ela não se enquadra nessa falsa dualidade do bem e do mal.  E Natal é um exemplo claro disto.

A IMPORTÂNCIA DAS  MANIFESTAÇÕES DE NATAL

A mobilização da juventude de Natal ganha uma importância grande na atual conjuntura política brasileira. Acompanhando um movimento que é mundial, ela consegue dar expressão a um problema local brasileiro: a crise do exercício de poder no país. Ela questiona por dentro do nosso sistema político. Os partidos e entidades juvenis necessitam olhar, analisar e compreender a novidade de Natal. Em particular  o PT deveria olhar com imenso interesse esta expressão da juventude.  

A juventude de Natal ao pedir Fora Micarla não está questionando um sistema democrático de eleições representativas. Não está pedindo um modelo autoritário e restritivo de escolha de governantes.  A juventude  questiona o poder político da Prefeita por que seu governo está levando ao extremo uma política que não permite ao jovem, apesar da democracia, crescer para a liberdade. A qualidade de vida resultante do governo de Micarla tolhe a construção da vida digna necessária à liberdade própria do jovem. O movimento pode radicalizar-se na falta de instrumentos que, para além da destituição de governos anti-populares, não permitam que governos eleitos com propostas que não são cumpridas. Para isso, é necessária a democracia participativa, além da representativa.  É nesta questão que eu entendo que a manifestação dos jovens de Natal tem um profundo conteúdo de protesto contra as instituições políticas envelhecidas no país.



Derrubamos a ditadura, é verdade. Mudamos a Constituição é verdade. Conquistamos eleições diretas e elegemos governantes mais comprometidos com as aspirações populares de uma vida melhor, é verdade também. Mas nestes avanços e conquistas, não conseguimos transformar a essência do sistema político, do funcionamento das instituições parlamentares, do sistema partidário, do sistema sindical. Vivemos o drama de conquistar a democracia, mas não alteramos regras importantes que também serviam aos regimes autoritários. Não sou nenhum “esquerdista” radical, ou como diz Stanley Burburinho um “petista psolento”. Não acho que o PT e a CUT já foram superados, apesar de suas contradições e dificuldades políticas. Pelo contrário, se não retrocedemos nas conquistas foi por conta ainda da existência destas instituições políticas entre outras. Mas elas, ao não conquistarem as mudanças mais profundas no sistema político, começam a ter dificuldades, para representar novos segmentos que despertam para a política.

 O PT e a CUT continuam  fortes nos setores sociais que vivenciaram a luta contra a Ditadura Militar e por governos de caráter popular. Mas ATENÇÃO, tem uma parcela enorme da juventude que não vivenciou estes  momentos . Na primeira eleição de Lula, em 2001,  jovens de hoje com 15 a 21 anos tinham na época entre 6 e 12 anos. Estes jovens estão tendo outra experiência política  e estão questionando se há espaços para eles no tecido social e político que ainda se mantém.

O QUE OS JOVENS DE NATAL QUEREM?

A parte visível da manifestação demonstra que os jovens de Natal desejam a destituição do governo municipal: Fora Micarla. Um governo eleito nas mesmas regras que elegeram Lula, Dilma, ou seja, eleito democraticamente. 

Qual a importância e no que interfere um governo municipal na juventude? Ora governo municipal cuida principalmente da manutenção da física da cidade, na mobilidade das pessoas, e parcialmente na educação, saúde e cultura. Um prefeito não pode censurar manifestações culturais, não pode alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente, não tem poderes legais para alterar a essência da política nacional de saúde e educação, não pode impedir usos e costumes garantidos pela Constituição Federal. Então por que os jovens se mobilizam pelo impeachment da Prefeita Micarla?

Os jovens estão sendo afetados por uma má administração que piora as condições de vida da população. Assim como os jovens egípcios se perguntavam como poderiam  ser livres sem a dignidade de um trabalho descente,  os jovens natalenses se perguntam como  serem livres numa cidade cujo governo, com sua incompetência, afeta  de tal modo as condições de vida. Podemos  considerar que o conservadorismo local que ainda se mantém, conflita com os anseios que são próprios da juventude. O RN é um dos poucos estados do NE onde as aspirações populares não se consumaram em governos progressistas de fato. Lá, diferente de boa parte do país, o velho continua vencendo o novo. Neste contexto fica claro o porque da juventude ir às ruas em Natal. É aí que ganha contornos políticos mais profundos a manifestação juvenil pelo Fora Micarla. O novo quer se fazer presente na política potiguar. Os jovens não se contentaram com a democracia formal da eleição, querem Democracia Real, querem seus anseios considerados na política de governo, querem participação. Resta saber se e como o novo vai se constituir.

O conflito  foi invadido pelas questões  de qualidade de vida e de negação do velho, que em Natal se conserva. A juventude de Natal quer sentir e construir o novo como forma de sua manifestação de liberdade. Devemos analisar se as entidades políticas de oposição à Prefeita servem como espaços para a luta dos jovens. A juventude não quer o velho e quer o novo com sua cara. Não quer ser simplesmente herdeira deste novo.  Quer ser parte construtora dele. 

É uma profunda luta política que se matura em Natal e, ao meu ver, inevitavelmente se espalhará pelo Brasil.  As entidades de esquerda, democráticas e populares precisam tomar conhecimento deste movimento. Estou falando conhecimento no sentido da leitura do real, para construir, junto com os jovens, uma  ação transformadora. As instituições políticas não devem se envolver com este movimento com uma postura de quem sabe o que fazer e irá ensinar aos jovens inexperientes. Assim como os jovens não podem rechaçar o apoio e participação daqueles que de forma democrática e dialogada trazem uma experiência para servir de reflexão. 

A juventude de Natal não está reproduzindo automaticamente o movimento do Oriente Médio e Europa. Não se trata de copiar uma moda. Mas de integrar um movimento mundial comum, mas com cara própria. A mobilização mundial estimula a juventude brasileira. Mas nosso papel é contribuir para que a ela possa expressar a sua cara e o seu jeito de fazer política e, a partir da experiência concreta, vá se organizando nas entidades que conseguirem abrir espaço para o novo. Nada de tutelar a juventude. Dialogar com ela e tentar descobrir o fio de continuidade da luta que travamos contra a Ditadura nos anos 60/70 e da luta por Democracia Real agora. Descobrir a ligação que há entre os continentes onde a juventude se mobiliza.



Precisamos de profunda reflexão por parte da esquerda brasileira e de dotar as entidades políticas de programas de ação imediata junto com a juventude. Começa por Natal que, aproveitando a simbologia cristã, anuncia um novo tempo.

2 comentários:

  1. Ótimo texto para reflexão de todas faixas etárias.

    @lucianoh_recife

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  2. Olá meu amigo. tenho tentado acompanhar o movimento da juventude em de Natal e acho que ela está dando um exemplo de cidadania ao Brasil. Muito bom o seu texto e a sua reflexão. Gostaria de ler mais coisas sobre esse movimento, e espero que outras pessoas, do Brasil todo, olhem para o mesmo com os olhos que ele deve ser olhado. Se uma coisa igual estivesse acontecendo no eixo sul-sudeste do país, com certeza já teria aparecido mil reflexões a respeito e a imprensa já estaria dando o seu pitaco também. Tomara que possamos aprender muito com essa juventude e espero que a classe política e os partidos busquem aprender com ela também. Nosso país precisa, urgentemente, de uma reforma política já. Porque se esta não sair conforme os anseios dessa juventude e de grande parte da população, mais cedo ou mais tarde a sociedade inteira estará nas ruas reivindicando mudanças na nossa ainda incipiente democracia. Ou melhor, estará reivindicando democracia de fato. Mudanças no plano econômico, porque ninguém costasnsegue mais viver à mercê de banqueiros e pessoas que não dão um minuto de seu tempo para produzir algo de bom para o país, mas enriquecem a toda hora através do sistema financeiro. Ninguém consegue mais viver à mercê de corruptos, nem quer mais viver escutando balelas dos poderes os mais diversos. A sociedade como um todo almeja transparência, porque ninguém pode mais nos fazer de bobos. Um abraço e parabéns mais uma vez pelo texto.

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