sexta-feira, 17 de junho de 2011

A LUTA DA JUVENTUDE E A EXPERIÊNCIA EM NATAL




Jovens da cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte, estão se rebelando. Iniciaram um movimento para pedir a destituição da Prefeita da Cidade, Micarla, e recebem o apoio de amplos setores da sociedade local. Esse apoio fica claro quando o STJ, esta instituição conservadora e elitista, é obrigado a revogar a liminar que determinava que os jovens desocupassem a Câmara Municipal.

A grande maioria das manifestações juvenis que questiona o poder, geralmente se dá em caráter nacional e internacional.  Recordamos de manifestações de protestos juvenis contra proibições e ausência de liberdade como uma questão social e histórica. Isto se dá por que a juventude não é classe, não é uma corporação e não tem limites regionais. A juventude tem anseios semelhantes em todo o mundo e em todo o tempo: LIBERDADE. Vemos no Brasil, neste momento, jovens participando das Marchas da Maconha, contra a homofobia, contra o preconceito racial, entre outras.  Chama a atenção que uma parcela da juventude se manifeste pedindo a destituição da prefeita de sua cidade.  Estes jovens estão contrariando todas as análises dos “especialistas” (e há tantos, principalmente na Globo) de que a juventude atual não se interessa por política.

Esta é a questão que este artigo deseja discutir. Não tenho a pretensão de uma resposta acabada, pois não sou “especialista” em juventude. Porém, quero ajudar a provocar um debate que está ausente, no meu entender, nas instituições políticas gerais e nas de representação da juventude.

A JUVENTUDE SEMPRE CLAMA POR LIBERDADE, EM QUALQUER MOMENTO HISTÓRICO




Não sou especialista, mas já fui um jovem militante, portanto farei  uma abordagem com reflexões que partem da minha experiência  juvenil.
Na década de 60 a juventude explodiu no mundo todo, nas nações onde a democracia inexistia - como no leste europeu e na América do Sul - e onde a democracia era o regime de plantão - como na França e Estados Unidos. Era claro naquele momento o desejo de ruptura da juventude com um sistema de vida que lhes oprimia independente do regime político. Nos Estados Unidos a luta contra a guerra e contra o envio de jovens ao Vietnã, na Tchecoslováquia contra um regime “comunista” totalitário que oprimia a livre manifestação, no Brasil contra a Ditadura Militar que, além de censurar as artes e a livre manifestação, prendia e matava militantes de oposição, em particular estudantes, na França contra os valores sociais que estavam envelhecidos e que eram impostos à juventude. Em todos eles a questão da Liberdade e da Democracia estava presente. Como era possível falar da democracia nos EUA, por exemplo, se os jovens eram obrigados a ir morrer numa guerra sem sentido algum para eles. O sentimento de liberdade era o elemento comum a todas as manifestações, quando  ficaram registradas  frases famosas nos muros de todas as partes  do mundo. “Paz e Amor”; “É Proibido Proibir”; “Abaixo o realismo socialista. Viva o surrealismo”; “O agressor não é aquele que se revolta, mas o que reprime”; “Sejam realistas, exijam o impossível”; “A barricada fecha a rua, mas abre a via”;  “A liberdade do outro estende a minha ao infinito”; “Os jovens fazem amor, os velhos gestos obscenos”;  “A novidade é revolucionária, a verdade também”.....

Hoje, no mundo todo os jovens saem às ruas. Na Grécia, no Egito, na Líbia, na Espanha, no Iêmem, em Natal. Novamente em países autoritários e em países democráticos. Novas reivindicações são levantadas, mas com o mesmo conteúdo de outros momentos históricos: a liberdade. “Democracia Real Já” se traduz na luta contra o desemprego, contra a corrupção, contra o preconceito e pela verdade. A liberdade ganha o contorno de democracia, de luta contra os velhos modelos de fazer política, de fazer  política por imagens virtuais que encobrem a realidade, de usar a democracia formal para sufocar a liberdade de viver,de usar a liberdade de comunicação para “especialistas” falarem dos sentimentos dos outros como se fossem a verdade e não dar voz aos atores do fato noticiado.



O jovem se pergunta: como posso ser livre se não tenho como viver dignamente e com o direito de construir minha identidade? A economia, o governo e a liberdade são todos questionados nestas atuais mobilizações. Por isso elas tem uma participação forte da juventude. Neste período de putrefação do neoliberalismo, a economia e a liberdade se relacionam mais fortemente que na década de 60. Os jovens estão se perguntado  se  os atuais sistemas de democracia e de economia permitem a eles serem livres. E estão respondendo que NÃO.

UM VELHO MODELO DE FAZER POLÍTICA

No mundo todo a disputa política se polarizou entre os velhos modelos repressores e os velhos modelos de democracia. Há uma tendência à bipartidarização entre um velho e um novo que resiste para não envelhecer....., mas está envelhecendo na  resistência. Um novo que propicia mudanças, mas que está sendo conservador no controle da política de transformação. Estamos assistindo a rápidas mudanças nos parâmetros das relações sociais, políticas e econômicas. Mal chegamos à sociedade da informação e estamos adentrando à sociedade do conhecimento crítico. Os velhos instrumentos de controle do conhecimento estão ineficazes. Com mais acesso aos instrumentos de comunicação, os jovens estão intuindo e analisando o extenso mundo a sua volta e tirando conclusões. Não é possível comparar um jovem de 20 anos atrás que tinha nos instrumentos tradicionais de mídia a principal fonte de informação e construção do conhecimento, com um jovem atual que tem computador e celular que lhe permite uma integração, através de meios virtuais, com o mundo todo.

A disputa política bipartidarizada no mundo todo está mantendo as velhas estruturas de poder que não dão conta dos movimentos juvenis. Esta disputa não consegue atrair a juventude. É desta política que a juventude está se afastando.  Pragmaticamente a juventude não é pragmática, e as instituições que querem representar a juventude precisam entender isso. 



A juventude no mundo todo luta contra o pragmatismo de governos de partidos de esquerda como o PSOE e de direita como o do Egito, ambos derrotados. A juventude quer outra opção de liberdade. Ela não se enquadra nessa falsa dualidade do bem e do mal.  E Natal é um exemplo claro disto.

A IMPORTÂNCIA DAS  MANIFESTAÇÕES DE NATAL

A mobilização da juventude de Natal ganha uma importância grande na atual conjuntura política brasileira. Acompanhando um movimento que é mundial, ela consegue dar expressão a um problema local brasileiro: a crise do exercício de poder no país. Ela questiona por dentro do nosso sistema político. Os partidos e entidades juvenis necessitam olhar, analisar e compreender a novidade de Natal. Em particular  o PT deveria olhar com imenso interesse esta expressão da juventude.  

A juventude de Natal ao pedir Fora Micarla não está questionando um sistema democrático de eleições representativas. Não está pedindo um modelo autoritário e restritivo de escolha de governantes.  A juventude  questiona o poder político da Prefeita por que seu governo está levando ao extremo uma política que não permite ao jovem, apesar da democracia, crescer para a liberdade. A qualidade de vida resultante do governo de Micarla tolhe a construção da vida digna necessária à liberdade própria do jovem. O movimento pode radicalizar-se na falta de instrumentos que, para além da destituição de governos anti-populares, não permitam que governos eleitos com propostas que não são cumpridas. Para isso, é necessária a democracia participativa, além da representativa.  É nesta questão que eu entendo que a manifestação dos jovens de Natal tem um profundo conteúdo de protesto contra as instituições políticas envelhecidas no país.



Derrubamos a ditadura, é verdade. Mudamos a Constituição é verdade. Conquistamos eleições diretas e elegemos governantes mais comprometidos com as aspirações populares de uma vida melhor, é verdade também. Mas nestes avanços e conquistas, não conseguimos transformar a essência do sistema político, do funcionamento das instituições parlamentares, do sistema partidário, do sistema sindical. Vivemos o drama de conquistar a democracia, mas não alteramos regras importantes que também serviam aos regimes autoritários. Não sou nenhum “esquerdista” radical, ou como diz Stanley Burburinho um “petista psolento”. Não acho que o PT e a CUT já foram superados, apesar de suas contradições e dificuldades políticas. Pelo contrário, se não retrocedemos nas conquistas foi por conta ainda da existência destas instituições políticas entre outras. Mas elas, ao não conquistarem as mudanças mais profundas no sistema político, começam a ter dificuldades, para representar novos segmentos que despertam para a política.

 O PT e a CUT continuam  fortes nos setores sociais que vivenciaram a luta contra a Ditadura Militar e por governos de caráter popular. Mas ATENÇÃO, tem uma parcela enorme da juventude que não vivenciou estes  momentos . Na primeira eleição de Lula, em 2001,  jovens de hoje com 15 a 21 anos tinham na época entre 6 e 12 anos. Estes jovens estão tendo outra experiência política  e estão questionando se há espaços para eles no tecido social e político que ainda se mantém.

O QUE OS JOVENS DE NATAL QUEREM?

A parte visível da manifestação demonstra que os jovens de Natal desejam a destituição do governo municipal: Fora Micarla. Um governo eleito nas mesmas regras que elegeram Lula, Dilma, ou seja, eleito democraticamente. 

Qual a importância e no que interfere um governo municipal na juventude? Ora governo municipal cuida principalmente da manutenção da física da cidade, na mobilidade das pessoas, e parcialmente na educação, saúde e cultura. Um prefeito não pode censurar manifestações culturais, não pode alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente, não tem poderes legais para alterar a essência da política nacional de saúde e educação, não pode impedir usos e costumes garantidos pela Constituição Federal. Então por que os jovens se mobilizam pelo impeachment da Prefeita Micarla?

Os jovens estão sendo afetados por uma má administração que piora as condições de vida da população. Assim como os jovens egípcios se perguntavam como poderiam  ser livres sem a dignidade de um trabalho descente,  os jovens natalenses se perguntam como  serem livres numa cidade cujo governo, com sua incompetência, afeta  de tal modo as condições de vida. Podemos  considerar que o conservadorismo local que ainda se mantém, conflita com os anseios que são próprios da juventude. O RN é um dos poucos estados do NE onde as aspirações populares não se consumaram em governos progressistas de fato. Lá, diferente de boa parte do país, o velho continua vencendo o novo. Neste contexto fica claro o porque da juventude ir às ruas em Natal. É aí que ganha contornos políticos mais profundos a manifestação juvenil pelo Fora Micarla. O novo quer se fazer presente na política potiguar. Os jovens não se contentaram com a democracia formal da eleição, querem Democracia Real, querem seus anseios considerados na política de governo, querem participação. Resta saber se e como o novo vai se constituir.

O conflito  foi invadido pelas questões  de qualidade de vida e de negação do velho, que em Natal se conserva. A juventude de Natal quer sentir e construir o novo como forma de sua manifestação de liberdade. Devemos analisar se as entidades políticas de oposição à Prefeita servem como espaços para a luta dos jovens. A juventude não quer o velho e quer o novo com sua cara. Não quer ser simplesmente herdeira deste novo.  Quer ser parte construtora dele. 

É uma profunda luta política que se matura em Natal e, ao meu ver, inevitavelmente se espalhará pelo Brasil.  As entidades de esquerda, democráticas e populares precisam tomar conhecimento deste movimento. Estou falando conhecimento no sentido da leitura do real, para construir, junto com os jovens, uma  ação transformadora. As instituições políticas não devem se envolver com este movimento com uma postura de quem sabe o que fazer e irá ensinar aos jovens inexperientes. Assim como os jovens não podem rechaçar o apoio e participação daqueles que de forma democrática e dialogada trazem uma experiência para servir de reflexão. 

A juventude de Natal não está reproduzindo automaticamente o movimento do Oriente Médio e Europa. Não se trata de copiar uma moda. Mas de integrar um movimento mundial comum, mas com cara própria. A mobilização mundial estimula a juventude brasileira. Mas nosso papel é contribuir para que a ela possa expressar a sua cara e o seu jeito de fazer política e, a partir da experiência concreta, vá se organizando nas entidades que conseguirem abrir espaço para o novo. Nada de tutelar a juventude. Dialogar com ela e tentar descobrir o fio de continuidade da luta que travamos contra a Ditadura nos anos 60/70 e da luta por Democracia Real agora. Descobrir a ligação que há entre os continentes onde a juventude se mobiliza.



Precisamos de profunda reflexão por parte da esquerda brasileira e de dotar as entidades políticas de programas de ação imediata junto com a juventude. Começa por Natal que, aproveitando a simbologia cristã, anuncia um novo tempo.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

A DERROTA DE MARCO MACIEL E DA DIREITA NO BRASIL



No curto período em que ocupou as páginas dos jornais o assunto da nomeação e renúncia de Marco Maciel no cargo de Conselheiro de duas empresas públicas da Prefeitura de São Paulo, pouco se avaliou concretamente sobre o significado político desta questão e seu desfecho.
Na minha opinião, a polêmica renúncia do ex-senador é apenas a ponta do iceberg da crise da direita no Brasil e do avanço da consciência democrática do nosso povo. E isto é muito importante para o futuro desenvolvimento das forças políticas democráticas e suas disputas, dentro da coalizão governamental, para a conquista de espaços de governo e na sociedade.
A exposição política sofrida pelo ex-senador Marco Maciel aprofundou a crise do DEM. A grande imprensa logo percebeu isso e calou-se sobre a questão na tentativa de abafar o assunto. Não simplesmente o assunto da renúncia de Maciel mas do que ela representa.
Marco Maciel não é um político qualquer. Foi, e ainda é, um ícone da direita brasileira. Um elaborador político de mão cheia e um hábil articulador com sua discreta imagem de quem não entra em bola dividida e nem polemiza com ninguém publicamente. Vários segmentos e representantes da sociedade sempre manifestaram sobre a seriedade, honestidade, capacidade política e ética do ex-senador. Ocupou cargos chaves na República e teve muita influência não só sobre o DEM e seus antecessores como nos demais partidos de direita e centro-direita. Basta lembrar que na eleição passada, na qual não foi reeleito, ele teve o apoio de Cristovan Buarque, Oscar Niemayer e até de Eduardo Suplicy no guia eleitoral.
Quando Lula, na campanha de Dilma em Pernambuco, conclamava o povo a mandar Maciel para casa não era simplesmente ganhar mais uma vaga no senado em apoio a Dilma. Pelas palavras que Lula usou para se referir a Marco Maqciel ficava claro que seu alvo era maior que a vaga pernambucana do Senado. Fazia parte da estratégia vitoriosa de desmontar o DEM.
TRAJETÓRIA POLÍTICA DE MACIEL (*)
A trajetória política de Marco Maciel é singular. Desde a sua juventude esteve no espectro da direita. Nunca militou em outro partido que não aqueles que se seguiram a ARENA, partido oficial de apoio à Ditadura Militar. Sua habilidade e relações políticas o levaram a ser Presidente da Câmara dos Deputados em 1977, no Governo do General Geisel. Em abril de daquele ano, mesmo como Presidente da Câmara, concordou integralmente com o golpe que fechou o Congresso e não fez uma única manifestação sequer em defesa da instituição. Como prêmio pelos bons serviços prestados à Ditadura e sua passividade no fechamento do Congresso, o general Geisel o nomeou interventor/governador de Pernambuco, em 1978. Em 1989 apoiou Collor integralmente, apesar do PFL ter Aureliano Chaves como seu candidato a Presidente. Novamente, como prêmio foi indicado Líder do Governo Collor no Senado (e Jorge Bornhausen foi indicado Chefe da Casa Civil). No período da crise e queda de Collor,  boatos  de que Marco Maciel tinha relações com empresas de tecnologia da informação e operava através delas não foram investigados nem pela CPI e nem pela imprensa, e nada foi comprovado. Ficou com Collor até o fim. Com sua habilidade política construiu a aliança com o PSDB e tornou-se vice-presidente de FHC nos dois mandatos presidenciais, sem nunca ter manifestado maior representação política em favor de Pernambuco. Um dos maiores questionamentos que recebeu em seu próprio estado foi o de nunca ter lutado para trazer investimentos do governo federal para Pernambuco.
Em 2010 sua campanha a reeleição ao Senado foi marcada por declarações das boas ações, das virtudes, da honestidade e da ética de Marco Maciel – “um marco de Pernambuco”. É claro que os fatos narrados acima jamais fizeram parte do debate eleitoral sobre o senador. A imprensa em nenhum momento questionou sua trajetória até então. Mas o momento político não era favorável ao DEM e mesmo com toda a defesa das “boas qualidades” de Maciel os eleitores pernambucanos rejeitaram sua reeleição, impondo-lhe uma derrota eleitoral e política de proporções inimagináveis anteriormente.

DESENHA-SE UM FINAL MELANCÓLICO PARA MACIEL


Desde o final da eleição passada, a desagregação do DEM acelerou-se de forma estupenda. Dois outros grandes nomes da direita abandonaram a política partidária: Roberto Magalhães e Jorge Bornhausen. O principal prefeito do DEM, Gilberto Kassab de São Paulo, abandona o DEM e funda o PSD. Em Pernambuco a crise do DEM chega a tal ponto que seu Presidente estadual, André de Paula, no dia 17/04/11 também sai do partido e vai para o PSD, levando consigo uma parte considerável de correligionários.
Mas quem é André de Paula? André, todo mundo político do estado sabe, é cria e apadrinhado de Marco Maciel. Em toda sua carreira política teve como mentor o ex-senador. Ora, ninguém, a não ser por santa ingenuidade, pode achar que André de Paula deixou a Presidência do DEM e foi para o PSD sem a concordância de Marco Maciel. Não recebeu uma única crítica do seu padrinho.
Dez dias depois de André de Paula anunciar sua adesão ao PSD,  Marco Maciel, seu padrinho,  é nomeado Conselheiro de duas empresas públicas da Prefeitura de São Paulo, governada por Kassab, em ato publicado no Diário Oficial da Prefeitura de São Paulo do dia 27/04/11. Todos sabem que cargos de Conselheiros, em empresas públicas, muitas vezes são usados para dar algum espaço político para aqueles que ficaram sem função no Executivo ou Legislativo, mas sempre em conformidade com o grau de representatividade política e social do nomeado. Dai a primeira surresa:  Marco Maciel, com todos os cargos que ocupou na sua trajetória e dimensão política, em Conselhos de Administração de empresas de Trânsito e Turismo da cidade de São Paulo? Ora, Marco Maciel foi rebaixado? Eu penso que a justificativa para aceitar estes cargos passavam por outras questões políticas, após a adesão de André de Paula ao PSD. Certamente o ex-senador não aceitaria um rebaixamento político desses sem que mais alguma coisa estivesse em jogo. O que seria? Por enquanto  só podemos especular. Mas a proximidades das datas e dos movimentos evidenciavam muito fortemente para um novo pael político para Maciel.
 Dez dias após a nomeação foi tornada pública a entrada de Marco Maciel naqueles Conselhos de Administração, e só então, diante dos constrangimentos políticos,  justificativas e defesas foram apresentadas.
Primeiro o Prefeito Kassab fala em homenagem e relevantes serviços que Marco Maciel poderia prestarà capital de São Paulo. Depois o próprio Marco Maciel declara que sua ida para os cargos não tem nada a ver com a criação do PSD. E finalmente quem, em Pernambuco, defende Marco Maciel? Se você disse André de Paula, o presidente estadual do PSD, acertou. Ninguém do DEM assumiu a defesa de  Marco Maciel. O que se soube, pelos bastidores da política, é que os remanescentes do DEM pernambucano exigiram a renúncia de Marco Maciel dada a desmoralização política que aquela nomeação representava para a manutenção do Dem no estado.  Marco Maciel no governo do PSD seria  o enterro formal do DEM. E para surpresa de todos Marco Maciel recua do movimento que fez, implicitamente confirmando a jogada política pró PSD. Mais, Mendoncinha e o DEM fizeram o papel de cônjuge traído, o último a saber. Não bastasse isso tudo, o PSD tinha também o dedo de Eduardo Campos. Como justificar perante a parcela da sociedade a política ética do ex-senador¿
Completamente derrotado dentro do DEM, Marco Maciel vai a público, numa manobra para tentar enganar a sociedade e diminuir o constrangimento, dizer que “não aceitou o convite” de Kassab. Como assim não aceitou? E a nomeação já publicada no Diario Oficial? Aconteceu sem sua  concordância? 
O estrago político estava feito e Marco Maciel, com tanta experiência e uma reputação quase inabalável, comete o maior erro político de sua carreira e expõe tanto a fragilidade de sua trajetória como a derrocada dos partidos da direita no Brasil.

O QUE ISTO REPRESENTA?


No meu entender é o início do fim da carreira política de Marco Maciel. Não estou dizendo que ele já se acabou politicamente mas, inviabilizada a sua ida para o PSD e destroçado o partido no qual foi obrigado a se manter, caminha para o ocaso, e a velocidade desta última trajetória dependerá de outros fatores e fatos políticos.  Alguém poderia dizer que isso é um exagero, afinal de contas o ex-senador tem muita força e representação política ainda. E eu pergunto onde¿ Qual é o seu partido e quem são seus liderados. A fragorosa derrota eleitoral em 2010 expôs sua fragilidade e falta de apoio real na sociedade. Existem outros exemplos inquestionáveis de queda política desta dimensão e importância política: Roberto Magalhães e Jorge Bornhausen, dois grandes articuladores e colaboradores de Marco Maciel  aposentaram-se.
Porém, não é o ocaso de mais um político entre outros. É a derrocada de um dos principais dirigentes políticos da direita nas últimas quatro décadas que participou e comandou processos políticos que marcaram a história recente do país. Não é um fato isolado, é parte integrante e impulsionador da desagregação não só do DEM, mas que como água de cheia arrastra consigo os que lhe estão próximos como o PDSB e o PPS.
Como esta sendo  possível a derrocada? Os partidos da direita pós ditadura militar e seus dirigentes sempre sobreviveram da máquina do estado, das relações com o poder econômico que a máquina do estado permite, da repressão e  falta de democracia, organização e consciência do povo.
Quando começa  este processo político de derrocada dos partidos da direita da história recente do Brasil? No final dos anos 70 com a retomada da organização social e política do povo e o aumento de sua consciência e autonomia política, processo ainda em curso.  A partir deste elemento  essencial,  a conquista de espaços políticos de democracia e representação popular e a consolidação de organismos de representação e de poder como os sindicatos, partidos e entidades do movimento popular. (Nunca, na história do Brasil durante 30 anos seguidos organizações democráticas de massas existiram e resistiram à repressão da elite e do estado.)  Culminou agora com a derrota de Serra, que ao defender  uma plataforma abertamente de direita, conservadora e anti-democrática, levou consigo a derrota de vários líderes tradicionais da direita de norte a sul do país.
No processo de retomada do movimento popular e sindical,  o PSDB foi criado como uma tentativa de frear este movimento a partir de políticos que teriam maior identidade com a democracia e portanto mais respaldo popular. Porém, a estratégia de aliança com a direita para combater o PT está se esgotando a partir do conflito desta aliança com as demandas e reivindicações populares.  
Não estou afirmando que a direita esta acabada no Brasil. De forma alguma. Uma parcela  considerável da sociedade ainda é muito conservadora e apóia políticos que defendem este conservadorismo, Mas a ausência, por parte destes políticos, de um projeto social e de país que contemple a maioria desta parcela social dificulta a mobilização política do conservadorismo. É tão frágil a direita no país, em termos de projeto, que é a grande imprensa monopolizada que fala por esta direita. Se a direita conseguir se organizar em torno de um projeto político que dialogue com esta parte da sociedade será capaz de falar por si mesma, sem precisar que o PIG o faça. E o poder econômico estará pronto para sustentar este projeto com mais firmeza do que o faz agora.
A criação do PSD é uma nova tentativa, porém com roupagem velha e sem projeto, de reaglutinar a direita no país. E só ganha alguma força agora porque conta com o apoio de setores da base democrática do projeto que o PT encabeça. A participação do PCdoB na prefeitura de São Paulo e as articulações de Eduardo Campos com Kassab são fundamentais para dar alguma credibilidade social ao projeto de Kassab. Não é a toa que aqueles do DEM pernambucano que foram para o PSD não se declaram mais oposição ao governo estadual do PSB. E  o céu é  o limite para estas articulações.

QUAL DEVE SER O PAPEL DO PT?


Mantendo seu princípío estratégico de lutar por transformações políticas, econômicas e sociais, através de uma relação de organização e apoio aos movimentos sociais, o PT deve procurar ampliar sua influência política e de organização nesta base social que ainda é conservadora e é composta de milhões de brasileiros, trabalhadores, jovens, donas de casa, etc... Construir  uma hegemonia política,  democrática e de esquerda na sociedade, sabendo que precisa de aliados para tanto e para garantir a pluralidade necessária à democracia real.
Para chegarmos lá há muito ainda por fazer. Esta crise da direita, o ocaso de suas principais lideranças, abrem uma porta imensa para que possamos construir e conquistar essa hegemonia. É um trabalho árduo, cheio de contradições, onde às vezes precisamos recuar para depois avançar mais. É preciso promover democraticamente  mudanças na estrutura de poder do PT e das suas relações com a militância, particularmente a nova militância que surge por espaços nunca antes ocupado mas que mostra que tem poder social.
A discussão dessas mudanças fica  para outros artigos. É claro que muitos outros temas, que se relacionam com este, precisam ser  analisados e debatidos. Mas isso é um papel que precisa ser assumido coletivamente pelas organizações do nosso povo.
(*) trajetória de Marco Maciel
1963 – Presidente da União Metropolina dos Estudantes de Pernambuco, com apoio financeiro da direita.
1966 – Deputado Estadual pela ARENA
1970 – Deputado Federal pela ARENA
1974 – Deputado Federal pela ARENA
1977/1979- Presidente da Câmara dos Deputados
1978 – Governador biônico de Pernambuco, nomeado pelo ditador Geisel. Partido ARENA
1982 – Senador pelo PDS, partido sucessor da ARENA
1984 – Um dos principais articuladores do PFL, sucessor do PDS
1985 – Ministro da Educação no Governo Sarney
1986 – Ministro da Casa Civil no Governo Sarney
1989 – De volta ao senado articulou e declarou apoio a Fernando Collor
1990 – Lider do Governo Fernando Collor no Senado
1991 – Eleito para a Academia Pernambucana de Letras
1994 – Eleito Vice-Presidente na chapa de Fernando Henrique Cardoso
1998 – Reeleito Vice-Presidente na chapa de Fernando Henrique Cardoso
2002 – Eleito Senador pelo PFL
2003 – Eleito para a Academia Brasileira de Letras, na cadeira do falecido Roberto Marinho
2010 – Perde a eleição para o Senado, pelo DEM, partido sucessor do PFL
2011 (abril)– É nomeado pelo Prefeito Kassab(ex-DEM e agora no PSD) Conselheiro de duas empresas públicas da capital paulista.
2011 (maio) Renuncia aos cargos de Conselheiro.
2011 (maio) – Após denúncia pública e polêmica entre o DEM e o PSD, Maciel renuncia aos cargos de conselheiro.

terça-feira, 7 de junho de 2011

MUITO ALÉM DO NOSSO EU - Miguel Nicolelis - lançamento do livro

No pouco uso que faço deste Blog, um dos temas que mais abordei foi o neurocientista Miguel Nicolelis. E agora, novamente.

Faço isso porque, além de considerá-lo um brilhante cientista (quem sou eu para achar o contrário?),  tenho muita concordância com sua visão do papel da ciência na luta pelas transformações sociais e no desenvolvimento da democracia, particularmente  no Brasil no atual estágio político.

Acredito que se os poderes públicos e, mais ainda, as representações da sociedade, em seus diversos segmentos, discutirem e trabalharem com suas teses e propostas (científicas e sociais) poderemos desenvolver políticas públicas que revolucionarão a educação, a ciência, a saúde, aprofundará a democratização do Estado e das relações sociais e políticas. 

Eu sou um apaixonado pela discussão da neurociência. Apesar de não ter formação científica, como já falei neste blog há algum tempo, cientistas renomados, de várias áreas, tem publicado livros de fácil entendimento para o público leigo. Miguel Nicolelis tem essa qualidade: possui uma enorme facilidade para falar de forma cristalina e acessível para qualquer público sobre suas teorias, pesquisas e projetos.Ele provoca a boa polêmica onde todos os participantes ganham em consciência e conhecimento.

Por fim, o objetivo deste post é reforçar a informação do lançamento do livro Muito além do nosso eu, pela Companhia das Letras, no próximo dia 16/06. O livro  foi lançado recentemente nos Estados Unidos e bateu recordes de venda na Amazon.  Não possuo habilidade para ler um livro em inglês, por isso ainda não tenho pleno conhecimento do conteúdo do livro. Mas pelas entrevistas de Nicolelis, podemos perceber o quanto este livro tem de fantástico e de revolucionário. Não pode faltar na mesa de cabeceira de qualquer cientista, estudante das diversas áreas com as quais a neurociência se relaciona,  político, liderança social e todo interessado em desenvolvimento da ciência. O tema do livro e suas consequências merece uma Audiência Pública na Câmara dos Deputados.




 Sinopse do livro

Imagine um mundo onde as pessoas usam computador, dirigem seus carros e se comunicam entre si através do pensamento. Um mundo em que os paraplégicos podem voltar a andar e em que os males de Parkinson e Alzheimer são controlados. Parece cenário de ficção científica, mas tudo isso pode se tornar realidade. A humanidade está prestes a cruzar mais uma fronteira do conhecimento em direção à compreensão do imenso poder do cérebro, um conhecimento que poderá ser aplicado com grande proveito nas áreas de saúde e tecnologia.

Em Muito além do nosso eu, o premiado e internacionalmente reconhecido neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis revela suas ideias revolucionárias sobre essa nova tecnologia. Ele nos explica como o cérebro cria o pensamento e a noção que o ser humano tem de si mesmo (o seu self) — e como isso pode ser incrementado com o auxílio de máquinas. Este é o primeiro livro, destinado a um público leigo, a descrever com pormenores os enormes passos que a ciência vem dando para a criação das interfaces cérebro-máquina.

Nicolelis mostra como a tecnologia será capaz de transformar a sociedade humana e moldar uma nova “indústria do cérebro”, um empreendimento global com potencial de geração de trilhões de dólares. Essas interfaces, também chamadas ICMs, poderão um dia devolver a mobilidade a pacientes com paralisia grave, graças ao uso de “exoesqueletos” membranosos, que serão vestidos como uma roupa. As descobertas de Nicolelis e sua equipe oferecem também um caminho para a cura de distúrbios neurológicos como a doença de Parkinson e o mal de Alzheimer, sem contar as fascinantes perspectivas de comunicação tátil a longa distância e de exploração do fundo do mar e do espaço.
Muito além do nosso eu fala de um futuro tecnológico em que as visões catastrofistas dão lugar ao otimismo e à esperança. Essa é uma das maiores aventuras da ciência contemporânea, e Nicolelis nos proporciona uma compreensão profunda e iluminadora desse admirável mundo novo.


“Neste livro, eu proponho que, assim como o universo que tanto nos fascina, o cérebro humano também é um escultor relativístico; um habilidoso artesão que delicadamente funde espaço e tempo neuronais num continuum orgânico capaz de criar tudo que somos capazes de ver e sentir como realidade, incluindo nosso próprio senso de ser e existir. Nos capítulos que se seguem, eu defendo a tese de que, nas próximas décadas, ao combinar essa visão relativística do cérebro com nossa crescente capacidade tecnológica de ouvir e decodificar sinfonias neuronais cada vez mais complexas, a neurociência acabará expandindo a limites quase inimagináveis a capacidade humana, que passará a se expressar muito além das fronteiras e limitações impostas tanto por nosso frágil corpo de primatas como por nosso senso de eu.
Eu posso imaginar esse mundo futuro com alguma segurança baseado nas pesquisas conduzidas em meu laboratório, nas quais macacos aprenderam a utilizar um paradigma neurofisiológico revolucionário que batizamos de interfaces cérebro-máquina (ICM). Usando várias dessas ICMs, fomos capazes de demonstrar que macacos podem aprender a controlar, voluntariamente, os movimentos de artefatos artificiais, como braços e pernas robóticos, localizados próximo ou longe deles, usando apenas a atividade elétrica de seus cérebros de primatas. Essa demonstração experimental provocou uma vasta reação em cadeia que, a longo prazo, pode mudar completamente a maneira pela qual vivemos nossas vidas.

Nesse admirável mundo novo, centrado apenas no poder dos relâmpagos cerebrais, nossas habilidades motoras, perceptuais e cognitivas se estenderão ao ponto em que pensamentos humanos poderão ser traduzidos eficiente e acuradamente em comandos motores capazes de controlar tanto a precisa operação de uma nanoferramenta como manobras complexas de um sofisticado robô industrial. Nesse futuro, enquanto sentado na varanda de sua casa de praia, de frente para seu oceano favorito, você um dia poderá conversar com uma multidão de pessoas, fisicamente localizadas em qualquer parte do planeta, por meio de uma nova versão da internet (a “brainet”) sem a necessidade de digitar ou pronunciar uma única palavra. Nenhuma contração muscular envolvida. Somente por meio de seu pensamento.

A perspectiva dessa maravilhosa alforria, que hoje ainda pode soar para alguns como magia, milagre ou alquimia, não mais pertence ao domínio da ficção científica. Esse mundo do futuro está começando a se delinear, diante de nossos olhos, aqui e agora.”

JULIO CORTÁZAR - LITERATURA FANTÁSTICA

Domingo postei a sessão LEMBRANÇAS DO CINE BIJOU XII, com um filme de Antonioni, baseado num conto de Julio Cortázar. Hoje, revendo o post, e rememorando os contos que li de Cortázar, lembrei-me desse magnifico "Orientação dos Gatos". Procurei o livro em minha estante e a edição que possuo é da Editora Nova Fronteira, 2a. edição, de 1981. Parece que hoje só é encontrada em sebos. Abaixo publico a sua capa. O conto originalmente está no livro Queremos tanto a Glenda.

A tradução do conto aqui postado não é a mesma do livro, cujo tradutor é Remy Gorga, filho. Prefiro a tradução do livro. 

Mas na verdade o que desejo é compartilhar com vocês este conto maravilhoso e os sentimentos e idéias que ele produziu em mim. Primeiro a vontade enorme de sentir-me como Osíris, o gato. Olhar a mulher, Alana, amante do narrador do conto, conhecendo-a em planos que escapam aos olhares comuns e sem perspectivas. Segundo, ser capaz como o narrador do conto que consegue enxergar por trás dos olhos da amada, vendo como respira a mulher dentro de Alana. Por fim, experimentar a angústia do final do conto quando o narrador percebe que Alana e o gato olhavam além da janela onde ninguém podia ver o que eles viam.

Este é um conto que, na minha opinião, provoca sensações distintas em homens e mulheres. Não há como um gato ser percebido igualmente. Os gatos são animais das mulheres e somente a elas pertencem.

Finalmente, é importante frizar que Cortázar foi um escritor engajado na luta  pela democracia  na América Latina entre os anos 50 e 80, denunciando as ditaduras militares. 

Quem tiver a oportunidade de ler Cortázar, faça-o. É literatura fantástica.

 

 

“Orientação dos Gatos”, Julio Cortázar

Quando Alana e Osíris me olham não posso queixar-me da menor dissimulação, da menor duplicidade. Olham-me de frente, Alana sua luz azul e Osíris seu raio verde. Também entre eles olham-se assim, Alana acariciando o lombo negro de Osíris, que levanta o focinho do prato de leite e mia satisfeito, mulher e gato conhecendo-se desde planos que me escapam, que minhas carícias não conseguem ultrapassar. Faz tempo que renunciei a qualquer domínio sobre Osíris, somos bons amigos a partir de uma distância infranqueável; mas Alana é minha mulher e a distância entre nós é outra, algo que ela parece não sentir mas que se interpõe em minha felicidade quando Alana me olha, quando me olha de frente que nem Osíris e me sorri ou me fala sem a menor reserva, entregando-se em cada gesto e cada coisa como entrega-se no amor, ali onde todo seu corpo é como seus olhos, uma entrega absoluta, uma reciprocidade ininterrompida.

É estranho, ainda que eu tenha renunciado a entrar de cheio no mundo de Osíris, meu amor por Alana não aceita essa simplicidade de coisa concluída, de casal para sempre, de vida sem segredo. Por trás desses olhos azuis há mais, no fundo das palavras e dos gemidos e dos silêncios alenta outro reino, respira outra Alana. Nunca a disse isso, a quero o suficiente para não despedaçar essa superfície de felicidade pela qual hão deslizado já tantos dias, tantos anos. À minha maneira me obstino em compreender, em descobrir; a observo mas sem espioná-la; a sigo mas sem desconfiar; amo uma maravilhosa estátua mutilada, um texto não terminado, um fragmento de céu inscrito na janela da vida.

Houve um tempo em que a música me pareceu o caminho que me levaria de verdade a Alana; olhando-a escutar nossos discos de Bártok, de Duke Ellington, de Gal Costa, uma transparência paulatina me aproximava dela, a música a desnudava de uma maneira diferente, a tornava cada vez mais Alana porque Alana não podia ser somente essa mulher que sempre me havia olhado em cheio sem ocultar-me nada. Contra Alana, para além de Alana eu a buscava para amá-la melhor; e se de início a música me deixou entrever outras Alanas, chegou um dia em que diante de uma gravura de Rembrandt eu a vi mudar ainda mais, como se uma mágica das nuvens no céu houvesse alterado bruscamente as luzes e sombras de uma paisagem. Senti que a pintura a levava além de si mesma para esse único espectador que podia medir a metamorfose instantânea nunca repetida, a entrevisão de Alana em Alana. Intercessores involuntários, Keith Janet, Beethoven e Aníbal Troilo me haviam ajudado a aproximar-me, mas frente a um quadro ou uma gravura Alana se despojava ainda mais disso que acreditava ser, por um momento entrava em um mundo imaginário para, sem sabê-lo, sair de si mesma, indo de uma pintura a outra, comentando-as ou calando, jogo de cartas que cada nova contemplação embaralhava para aquele que sigiloso e atento, um pouco atrás ou levando-a pelo braço, via suceder-se as rainhas e os ases, as copas e os paus, Alana.

O que se podia fazer com Osíris? Dar-lhe seu leite, deixá-lo em seu novelo negro, satisfeito e ronronante; mas Alana eu podia trazê-la a esta galeria de quadros como o fiz ontem, uma vez mais assistir a um teatro de espelho e de câmaras obscuras, de imagens tensas na tela frente a essa outra imagem de alegres jeans e blusa roxa que depois de esmagar o cigarro na entrada ia de quadro em quadro, detendo-se exatamente à distância que seu olhar pedia, voltando-se para mim de vez em quando para comentar ou comparar. Ela jamais pôde descobrir que eu não estava aqui pelos quadros, que, um pouco atrás ou de lado, o meu modo de olhar não tinha nada a ver com o seu. Jamais se daria conta de que seu lento e reflexivo passo de quadro em quadro a alterava até o ponto de obrigar-me a fechar os olhos e lutar para não apertá-la nos braços e levá-la ao delírio, a uma carreira louca em plena rua. Desenvolta, leviana em sua naturalidade de prazer e descobrimento, suas paradas e demoras se inscreviam em um tempo diferente do meu, alheia à irritada espera da minha sede.

Até então tudo havia sido um vago anúncio, Alana na música, Alana frente a Rembrandt. Mas agora minha esperança começava a cumprir-se quase insuportavelmente; desde nossa chegada Alana se havia entregado às pinturas com uma atroz inocência de camaleão, passando de um estado a outro sem saber que um espectador escondido espreitava sua atitude, a inclinação de sua cabeça, o movimento de suas mãos ou seus lábios, o cromatismo interior que lhe percorria até mostrá-la outra, ali onde a outra era sempre Alana somando-se a Alana, as cartas aglomerando-se até completar o baralho. A seu lado, avançando pouco a pouco ao longo dos muros da galeria, eu a ia vendo entregar-se a cada pintura, meus olhos multiplicavam um triângulo fulminante que se estendia dela ao quadro e do quadro a mim mesmo para voltar a ela e empreender a mudança, a auréola diferente que a envolvia um momento para ceder depois a uma aura nova, a uma tonalidade que a expunha à verdadeira, à última nudez. Impossível prever até onde se repetiria essa osmose, quantas Alanas me levariam por fim à síntese da qual sairíamos os dois cheios, ela sem sabê-lo e acendendo um novo cigarro antes de pedir-me que a levasse para tomar um trago, eu sabendo que minha longa busca havia chegado a um porto e que meu amor abarcaria a partir de agora o visível e o invisível, aceitaria o limpo olhar de Alana sem incertezas acerca de portas fechadas, de paisagens proibidas.

Diante de um barco solitário e um primeiro plano de rochas negras, a vi parar imóvel por um bom tempo; um imperceptível ondular das mãos a fazia como nadar no ar, buscar o mar aberto, uma fuga de horizontes. Já não podia estranhar-me o fato dessa outra pintura onde uma grade de pontas afiadas vedava o acesso às árvores vizinhas a fizera retroceder como que buscando um ponto de observação, tal era a repulsa, a recusa de um limite inaceitável. Pássaros, monstros marinhos, janelas entregando-se ao silêncio ou deixando entrar um simulacro da morte, cada nova pintura arrasava Alana, despojando-a de sua cor anterior, arrancando dela as modulações da liberdade, do vôo, dos grandes espaços, afirmando sua negação frente à noite e ao nada, sua ansiedade solar, seu quase terrível impulso de ave fênix. Fiquei atrás, sabendo que não me seria possível suportar seu olhar, sua surpresa interrogativa quando visse em minha cara o deslumbramento da confirmação, porque isso também era eu, isso era meu projeto Alana, minha vida Alana, isso havia sido desejado por mim e dominado por um presente de cidade e parcimônia, isso agora enfim Alana, enfim Alana e eu desde agora, desde este instante. Quis tê-la desnuda nos braços, amá-la de tal forma que tudo ficasse claro, tudo ficasse dito para sempre entre nós, e que dessa interminável noite de amor, nós que já conhecíamos tantas, nascesse a primeira alvorada da vida.
Chegávamos ao final da galeria, me aproximei da porta de saída, no entanto ocultando o rosto, esperando que o ar e as luzes da rua me devolvessem ao que Alana conhecia de mim. A vi deter-se diante de um quadro que outros visitantes me haviam ocultado, parar imóvel por bastante tempo olhando a pintura de uma janela e um gato. Uma última transformação fez dela uma lenta estátua nitidamente separada das demais, de mim que me aproximava indeciso buscando-lhe os olhos perdidos na tela. Vi que o gato era idêntico a Osíris e que mirava ao longe algo que o muro da janela não nos deixava ver. Imóvel em sua contemplação, parecia menos imóvel que a imobilidade de Alana. De alguma maneira senti que o triângulo se havia fechado, quando Alana voltava para mim a cabeça o triângulo já não existia, ela havia ido ao quadro mas não estava de volta, continuava ao lado do gato olhando para além da janela onde ninguém podia ver o que eles viam, o que somente Alana e Osíris viam cada vez que me olhavam de frente.

domingo, 5 de junho de 2011

LEMBRANÇAS DO CINE BIJOU XII

Retomo aqui a sessão LEMBRANÇAS DO CINE BIJOU. Para aqueles que não conhecem os motivos e a origem desta sessão recomendo ler o post LEMBRANÇAS DO CINE BIJOU VI, de fevereiro/11.
Dizem que nós somos nossa memória. Concordo com essa definição de nós. Eu considero que o filme que apresentarei a seguir é muito de mim.

BLOW UP, um filme excepcional de Antonioni baseado em texto de Julio Cortázar. Nos idos de 1970, com  a ditadura militar estrangulando a sociedade, este filme tinha um significado muito forte para a minha juventude no sentido da luta pela liberdade e criação de uma nova realidade a partir das angústias que víviamos naquele momento de resistência e início do processo de ruptura com as relações políticas e sociais impostas.

A cena do jogo tênis imaginário é eloquente: um grupo de jovens alegres, e claramente fora dos padrões da sociedade vigente, num parque lindo e isolado, imagina-se num jogo de tenis. Uma realidade é criada e todos estão perfeitamente integrados a ela. Quem não consegue ver a bolinha que a câmara acompanha na sua queda fora da quadra do jogo? É fantástico. Todos vemos a bolinha quicando no gramado. O fotógrafo exita. Mas, ao chamado da jovem, movimenta-se e "pega" a bola devolvendo-a aos jogadores. Ao final esboça um sorriso expressando sua integração àquela realidade construída a partir da vontade coletiva dos jovens. Eu vibrava nas cadeiras vermelhas do Cine Bijou.

No atual contexto político aquela cena do tênis teria um novo significado. A realidade é outra e a leitura necessariamente também sofre transformações.  "Realidades imaginárias" são abundantemente jogadas aos nossos olhos, distorcendo e falseando o fato real. E muitos de nós se adapta a esta realidade imaginária e por ela se movimenta, esboçando um sorrido de consciência tranquila. É aí que os conservadores buscam quebrar o movimento das transformações sociais e política em curso. O filme ganha uma nova atualidade.

Quem não teve a oportunidade de assistir este filme recomendo ir a uma locadora.

  

sábado, 4 de junho de 2011

A USINA BELO MONTE E A INDÚSTRIA DE MOTOS

 

Estou tentando acompanhar, mesmo sem ser uma área que eu tenha um mínimo de domínio crítico, a polêmica em torno da construção da Usina Belo Monte e seus impactos socioambientais.
É evidente que existem forças econômicas e políticas que são contra a construção da usina por ser contra o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Assim como existem forças políticas e sociais que são contra Belo Monte por argumentos sinceros de defesa do meio ambiente e dos grupos indígenas e populações outras que vivem na região, além do significado mais amplo da defesa da economia sustentável.
Também sabemos que em alguns momentos entidades de ambos os lados se encontram e, por ingenuidade ou interesses escusos,  adotam táticas semelhantes para combater a construção da Usina.
Como disse, eu não tenho formação suficiente para tomar uma posição com convicção. E tenho consciência  de que muitas vezes adotamos posição sem a convicção necessária. Nestes casos geralmente seguimos a posição de pessoas, entidades ou governos em quem, previamente, construímos uma relação de confiança política a partir de experiências concretas de ações políticas e dos projetos e idéias defendidas.
No debate de Belo Monte, uma parte razoável  daqueles que eu poderia seguir por posições aparentemente justas são também aqueles que, sem uma estratégia política definida, cometem barbaridades em questões táticas sobre outros assuntos de natureza política e social. E aí, quando vejo estes em aliança com aqueles que tem interesses contrários ao Brasil, sem apresentar uma estratégia política que justifique essa aliança, perdem pra mim a credibilidade.
Geralmente esse descrédito cresce pelo postura arrogante, intransigente e de falta de diálogo (falar, mas também ouvir).
Como não sou de ficar em cima do muro, os elementos que a mim chegam, de ambos os lados, me levam a apoiar a construção de Belo Monte, sem intransigências. Se além de me mostrarem argumentos sólidos sobre o tema, que não se pautam, predominantemente ou unicamente, na descrença do governo atual e apresentarem um projeto claro de desenvolvimento político, econômico e social viável e em consonância com o movimento que a população  realiza de crescimento de consciência, eu posso mudar de opinião. 
Volto a dizer: faço esse movimento sem conhecer e sem ter condições de debater questões ambientais e seus impactos sociais. Sou ignorante no assunto. Ignorante, não burro ou alheio. E faço questão de manter minha transigência como elemento essencial ao diálogo.
Mas já escrevi demais sobre um tema, que como disse, não domino. A questão que eu queria levantar e esperar uma resposta sincera e esclarecedora para minha ignorância é a seguinte.
Em estudo recente o IPEA afirmou que em dez anos a população brasileira estará comprando mais motos do que carros. Outros estudos afirmam que uma moto, movida a combustível fóssil, polue dez vezes mais que um automóvel,  poluindo mais que a indústria. E que em São Paulo, cidade com maior crescimento numérico de motos, o impacto na qualidade do ar já se faz enorme. No inverno, onde as consequências da poluição atmosférica são maiores, o número de crianças com problemas respiratórios  atendidas nas unidades de saúde cresce absurdamente.
No entanto, não vejo nenhuma grande movimentação de entidades ambientais exigindo que a indústria automobilística adote providências para investir em equipamentos que diminuam a emissão de gases poluentes pelas motos. Muito menos vejo entidades internacionais preocupadas com o tema. Será que não há interesse em afrontar a indústria automobilística?  Será que não deveríamos exigir que todas as motos fossem elétricas? Para quem não sabe moto elétrica já é produzida no Brasil. Será que não deveríamos pressionar o Governo e o Congresso para regulamentar com mais rigor este setor de transporte?
Enfim, a pergunta que sinceramente eu faço e, talvez  explicite mais ainda minha ignorância: por que não há campanhas antigovernamentais sobre a questão dos efeitos sócio ambientais da crescimento vertiginoso do número de motos circulando colmo são realizadas campanhas contra a Usina Belo Monte? Posso estar falando a maior besteira, e se alguém me convencer da besteira dou a mão a palmatória, mas me parece que as consequências sócio ambientais de uma é tão importante quanto da outra.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

SPANISHREVOLUTION: avança organização dos acampados




COMUNICADO DE PRENSA Nº5
Almería, en Plaza Juan Cassinello el 31 de mayo de 2011

LAS ACAMPADAS MANTENDRÁN UNA REUNIÓN EN MADRID PARA ORGANIZARSE A NIVEL ESTATAL

Las acampadas surgidas tras el 15-M en todo el Estado español se reunirán el próximo sábado en Madrid físicamente con la intención de organizarse entre ellas y coordinar acciones conjuntas que den más fuerza y solidez al movimiento. Este acuerdo se realizó mediante una reunión virtual vía Skype que propuso Acampada Sol y que se realizó el pasado martes a las 12:00 del mediodía. Portavoces de más de 30 acampadas dialogaron durante aproximadamente cuatro horas, formando turnos de moderación en la que la pluralidad fue absoluta. Se estableció mediante consenso que esta primera toma de contacto se realizará en Madrid debido a la centralidad geográfica de la provincia, aunque no en Acampada Sol, sino en otro sitio que se decidirá el miércoles en una segunda reunión vía Skype, en la que cada acampada confirmará su asistencia. Aquellas que decidan acudir llevarán tres portavoces de las distintas comisiones que hayan formado a nivel interno para que propongan medidas relacionadas con la organización de todas las acampadas a nivel nacional y con las posibles acciones a realizar de manera conjunta. Sin embargo, no se consensuarán aún propuestas concretas mediante las cuales se podrían mejorar el actual sistema democrático, sean a nivel político, financiero o con carácter social.

Por otra parte, el próximo miércoles a las 12:00 horas Acampada Almería realizará una acción de protesta en la sede del SAE de la calle Altamira. Se trata de una acción simbólica pacífica, de protesta por las políticas gubernamentales en materia de desempleo. Esta acción tiene una doble vertiente: por un lado, presentar una serie de propuestas de lucha contra el paro; por otro, contactar directamente con los parados. Además, en su página web (www.acampadaalm.es) se ha abierto un foro de debate para que todo aquel ciudadano que así lo desee pueda hacer sus propuestas o expresar su opinión de una manera respetuosa. En ella también se recoge la programación cultural, con las diversas actividades que se realizarán a lo largo de la semana en la Plaza Juan Cassinello, como por ejemplo el concierto del grupo “La culpa es de la niña” o un monólogo de Pepe Céspedes, ambos el viernes.