O livro “Habeas Corpus – Que se apresente o corpo”, recém-lançado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, será um importante instrumento para a futura Comissão Nacional da Verdade, que terá o papel de restaurar a verdade sobre a ditadura militar.
Carlos Azevedo, editor-chefe da redação responsável pelo trabalho, entende que a grande contribuição é fazer a sistematização de um material acumulado ao longo de décadas. “Poderia dizer que é um trabalho de 40 anos de apuração. Foram se somando os documentos levantados pela sociedade desde que se abriram alguns arquivos, com o fim da ditadura. Nos últimos anos, a Secretaria de Direitos Humanos teve um papel de acelerar essa sistematização”, avalia.
Azevedo ressalta que os esforços do Ministério Público Federal em São Paulo como centrais para esse levantamento de dados foi importante para o trabalho.
O livro teve como foco recontar a história de 184 desaparecidos políticos. Por isso, o esforço de compilação do material trará importantes subsídios ao trabalho da Comissão da Verdade. Enviado ao Congresso no ano passado, o Projeto de Lei 7376 prevê a apuração dos crimes cometidos pelo Estado entre 1946 e 1988.
A comissão a ser criada pela Casa Civil teria sete integrantes indicados pelo presidente da República que tenham como pré-requisito o “respeito aos direitos humanos”.
Em 2007, a Secretaria de Direitos Humanos lançou os livros da série “O direito à memória e à verdade”, que se tornaram um importante material de referência para esclarecer alguns dos episódios da ditadura. Azevedo avalia que “Habeas Corpus” é a sequência deste esforço de apuração, reunindo documentos e fatos surgidos ao longo dos últimos anos.
Além da história de 184 desaparecidos políticos, a obra soma os avanços obtidos nas buscas por corpos no Araguaia e joga novas luzes sobre o papel de Romeu Tuma no aparato repressor. Como narrado pela repórter Marina Amaral, o livro reforça o papel do político falecido no ano passado na produção de atestados de óbito com nomes falsos, na simulação de “suicídios” e “tiroteios” em inquéritos, na ocultação dos fatos que levaram à morte de dezenas de desaparecidos e no sumiço de seus corpos. “Os depoimentos dos camponeses do Araguaia indicavam que o Tuma ia à região, com o nome de delegado Silva, e que sua equipe era especializada em ocultação de cadáveres. Ou seja, o grande coveiro da ditadura”, pondera Azevedo.
A ocultação de corpos é, sob a legislação internacional, um crime continuado, ou seja, não prescreve enquanto não for localizada a vítima. É esse um dos fundamentos da decisão proferida no último mês de dezembro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que definiu que o Estado brasileiro é culpado por não haver solucionado esse capítulo da ditadura. Ao analisar os crimes cometidos por militares no episódio da Guerrilha do Araguaia, a entidade integrante da Organização dos Estados Americanos (OEA) determinou que o Brasil adote as medidas necessárias a virar esta página da história, entre elas a punição dos torturadores.
O título de “Habeas Corpus” transforma-se, portanto, numa interessante sugestão, à medida que resgata o sentido original da expressão em latim que significa “apresente-se o corpo”. “É uma provocação. Não para os militares em especial, mas para a sociedade como um todo, para que se dê conta de que é preciso encontrar os corpos para poder virar essa página”, pontua o organizador da obra.
Paulo Vannuchi, ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos, aponta na apresentação do trabalho que há uma dívida inegável que precisa ser resgatada. “O reconhecimento da responsabilidade do Estado pelas violações de Direitos Humanos praticadas durante a ditadura já está consolidado. Mas ainda faltam alguns passos indispensáveis para que se considere plenamente concluída a longa transição para uma democracia irreversível.”
Rede Brasil Atual
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